quinta-feira, 8 de março de 2007

A PIOR CIDADE DE TODOS OS TEMPOS

David Coimbra, (Zero hora de 14/02/2007)

Isso tudo tem me irritado. Para começar, esse troço degestão. Todo mundo fala em gestão. Gestão, gestão.Sabe o que é gestão? Economia. Corte de gastos.Isso é gestão, para esses caras. Um secretário dafazenda, um prefeito, um ministro, um governador deEstado, todos eles, quando assumem seus cargos, falamem gestão. Muito moderno, muito revolucionário, elesaprenderam novas estratégias em cursos nos EstadosUnidos ou na Espanha. Ém-bi-êi, é como chamam essescursos. O sujeito vai lá, faz ém-bi-êi e sai dizendoque está pronto para aplicar novos métodos de gestão.Aí funda uma empresa que presta assessoria ou vaitrabalhar para o Estado. E arrosta:
- Temos que cortar as despesas.
Mas, Cristo!, a minha vó, Dona Maria Bernardina, jácortava as despesas em 1940! Então, esses são os novosmétodos de gestão? Os da Dona Dina??? Por favor! Tãonovos quanto os furúnculos que atormentavam Marxenquanto ele desvendava a mais-valia entre as chaminésde Manchester.Mas eles vêm com essa conversinha, os discípulos doém-bi-êi. Economia, economia. Meu avô, seu Walter,quando a Dona Dina queria economizar demais, já dizia:
- Economia é a base da porcaria.
E é!
Mas também não vá entender mal, não sou a favor dodesperdício. Estou falando do gênero de economia que,por exemplo, pode ter sido feita pelo metrô de SãoPaulo. Há suspeita de que as empresas que realizavam aobra eram estimuladas a economizar no materialempregado. Será que o tamanho do corte de gastos teverelação com o tamanho do buraco no qual sete pessoasperderam a vida? Se teve, talvez essa economia nãotenha valido a pena, não é mesmo?
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Vou dar um exemplo futebolístico, já que estamosdentro de fronteiras esportivas. Grêmio e Interpassaram por choques de gestão, tempos atrás. O Grêmiofoi para a segunda divisão e o Inter gramou dois anossem disputar uma única final, perdendo todos osGre-Nais e terminando o ano sem time. FernandoCarvalho e Paulo Odone não aplicaram choque algum nosseus clubes. Também não foram perdulários, verdade.Mas investiram. O Inter, até há pouco, tinha 65jogadores. O Grêmio contratou um time inteiro. Osresultados estão aí.Um clube de futebol tem de investir no futebol.O poder público tem de investir nas pessoas.
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A propósito: dias atrás, li que a prefeitura de PortoAlegre está se jactando de fazer uma gestão muitoenxuta, muito econômica. A prefeitura de Porto Alegreestá satisfeita com sua atuação, ao que parece. Poisvou dizer: nunca, desde que os casais açorianoschegaram ao canal onde os escravos ergueriam a Pontede Pedra, em 1845, nunca, desde então, Porto Alegreesteve pior. Nunca houve tanta gente abandonada nestacidade, nunca se viu tantos mendigos esmolando pelasesquinas, tantos sem-teto dormindo debaixo dasmarquises, famílias morando dentro de canos, gente aosmolambos emergindo dos esgotos feito ratazanassubnutridas, e pior, muito, muitíssimo pior: nuncahouve tantos meninos e meninas vagando sozinhos pelasruas, de pés descalços, imundos, ranhentos, tratadoscomo cachorros nas sinaleiras.Essa é a gestão da prefeitura de Porto Alegre.
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E é pensando nisso, nesses meninos, nessa genteabandonada, que me irrito. Por causa do debate que seinstaurou no Brasil, desde a morte brutal daquelemenino no Rio, semana passada. Pois há dias só se falaem construção de presídios, em aumento do rigor daspunições, em mudança do código penal. Tudo isso podeser importante. Assim como é importante a economia deágua que vem sendo feita pelo governo do Estado. Mas é secundário.Chocado com o assassinato bárbaro do menino, o Brasilpassou a discutir as conseqüências, e esqueceu-se dascausas. A idéia é punir quem faz, não evitar que sefaça.É possível evitar que se faça. Basta tirar essesmeninos das ruas. Basta que a gestão seja voltada paraas pessoas, não para o balanço contábil. O Brasil clama por rigor contra o crime? Sou a favor.Sejamos rigorosos contra o crime ANTES que o crimeseja cometido. Em vez de confinar menores nospresídios, vamos OBRIGÁ-LOS a ir para a escola. Em vezde lutar para que a legislação permita a detenção demeninos de 16 anos, vamos lutar para que a legislaçãotorne OBRIGATÓRIA a internação de TODAS as crianças naescola, o dia inteiro. Inclusive o filho do rico.Inclusive o seu filho, minha senhora. Não há dinheiro para tanta escola? Não há dinheiropara pagar tantos professores? Há, sim.Existe disposição na comunidade para um projeto desalvação nacional. Existe solidariedade de sobra noBrasil. Os jogadores de futebol são exemplos notórios,tantos deles que montam instituições de caridade, quequerem, mas não sabem como ajudar. Se o Estado não temrecursos, o Estado tem liderança para orientar aspessoas com essa vontade, para mobilizar a comunidade,os empresários, os trabalhadores, nós todos.Eu acredito que seja possível. Desde que se queira.

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